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Memórias

  • Foto do escritor: helenaemello
    helenaemello
  • 3 de jun. de 2015
  • 3 min de leitura

NO ANDAR TÉRREO DA MINHA MENTE

Era final de tarde. O crepúsculo sempre me emocionou. Acompanhar a despedida do sol representava - ainda representa –, para mim, um momento mágico. Aprendi a vivenciar esse espetáculo com a minha avó.

Minha avó, em falas repetidas, trazia a natureza como fonte de sabedoria. E, como se falasse consigo mesma, sua voz sonorizava como ego de amor aos meus ouvidos.

Sentadas na areia da praia - a velha e a menina - eram na verdade representações do término e do começo. E, em harmonia com aquelas representações, minha avó falou: “Minha neta, a partida não é alegre, mas se bem percebida tem as cores da entrega para um novo nascimento.”

A minha mente infantil não alcançou a essência da reflexão. Não entendi, eu disse vendo-me refletida naqueles profundos e doces olhos azuis. Pacientemente ela completou: “Veja a beleza do sol quando parte. Ele agora já não é tão forte e seu brilho arrefecido deixa o caminho aberto à chegada da lua e sua corte de estrelas. É a mensagem que a natureza nos oferece. É preciso partir para que a vida tenha continuidade.”

Não sei se há exatidão nessa minha transcrição. Mas, há verdade no conteúdo da lição. Lição que não se limitou a observação do crepúsculo, pois a renovação é perene em toda a natureza.

Vejamos: são as estações do ano - primavera, verão, outono e inverno - chuvas que chegam, alimentam a terra e passam para que o plantio cumpra seu ciclo vital; o tempo: calor e frio -; dias e noites. Marés: cheia e rasa... Assim a alternância na natureza nos indica seu movimento evolutivo.

Indaguei: “E nós temos que partir? A resposta veio em tom repleto de carinho e compreensão: “Sim, sempre. Uns mais cedo, outros mais tarde”. Em seguida esclareceu: “preste bem atenção, na vida há inúmeras partidas; partidas temporárias como os dias e as noites; partidas mais longas como as estações do ano; partidas sem renovações como a morte. Mas, durante a vida também há chegas que se alternam com as partidas”.

A criança fala: “Tudo muito confuso, não consigo entender bem!”

E o tempo passou. A natureza implacável se mantém em movimento. Vivenciei muitas partidas e várias chegadas. Lágrimas e sorrisos se sucederam. Dentre as partidas a mais dolorida foi a da minha avó. Das chegadas os meus filhos materializaram o lado luminoso da vida.

Voltei àquela praia. Consciente de não ser mais criança. Sentei na areia. Nada era como daquela vez. Estava sozinha e meu olhar percorria uma paisagem conhecida, mas agora diferente. A minha avó já partira e o mar já ampliara seus domínios. A praia hoje reduzida refletia sentimentos esvaziados.

Permiti deixar minha mente livre. Livre para atravessar os andares do tempo. Surpresa cheguei ao andar térreo onde estão armazenadas lembranças. Dentro de mim o eco das palavras da minha avó. Palavras claras e sábias. E o crepúsculo se fez presente. Compreendi o significado do momento de passagem; de transição; de entrega e de partida. Momento de despedida e de espera. Apenas momentos que seguem em atos contínuos, mas sempre únicos.

O andar térreo da mente, por vezes esquecido, tem as cores do passado, do aprendizado, dos sonhos e das fantasias. E, surge a pergunta que não quer calar: “o que levar ao andar de cima? Como reescrever memórias reais e memórias idealizadas no caminho da reedição?”

Eis aqui, nessa reflexão nostálgica, apenas uma provocação a ser debulhada dentro do edifício psíquico de cada sujeito.

Recife, 26 de novembro de 2013.

 
 
 

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