Um pouco da modernidade
- helenaemello
- 2 de jun. de 2015
- 3 min de leitura
UM LAR OU UMA PENSÃO?
Helena e Mello
Terapeuta de Casal e Família
“Lar é um local, onde podemos viver em harmonia, com os nossos familiares. Esta palavra significa calor, conforto e amor.” Esmeraldina Santos (arq. Mar. 2005).
Sem dúvida, o ritmo frenético da vida moderna, a ansiedade advinda da cultura do sucesso, do individualismo e do consumo tem levado a família, de forma consciente ou inconsciente, a mudanças estruturais e vivenciais.
Dentre as múltiplas mudanças ocorridas na família nas últimas décadas, pontuamos nesta reflexão, a topografia do lar na contemporaneidade.
Por que falamos de topografia? Porque a distribuição dos espaços da casa constitui elemento revelador de agregação ou não da própria família.
Iniciamos dando destaque ao uso dos espaços comuns pelos membros da família, salas de refeições, de estar e terraços, favorece os vínculos de afeto, de partilha, de apoio e de pertencimento. Nesses espaços são vivenciados momentos que propiciam a prática de uma convivência integrativa e manifestações de reciprocidade nos cuidados e apoios. Momentos em que pais e filhos atualizam o cotidiano, partilham dificuldades na busca de soluções e constroem juntos a tolerância e o respeito às diferenças.
As refeições dos domingos, partilhadas com as famílias extensas (pai, mãe, filhos, avós, tios e sobrinhos), alimentavam o caráter de família. Com o senso de comunhão fortalecido as famílias caminham rumo a superação de problemas, dores, quando analisados com base no amor e respeito. É verdade que sentimentos de rivalidade, raiva e despeito permeiam, também, as relações familiares, posto ser a família o ninho formador das subjetividades e dos vínculos sociais.
Assim, a partilha dos espaços do lar constitui fator de crescimento individual e do grupo familiar.
Um lar difere de uma residência coletiva – pensão – eis que as pessoas que habitam a casa não têm relação de parentesco ou estão vinculados afetivamente. Em outras palavras o conceito de família é estranho à coabitação dos pensionatos. É correto dizer que a linha divisória entre lar e habitação coletiva não é rígida, pois em alguns casos pode haver associação dos conceitos. E, isto se efetiva quando o cotidiano partilhado constrói cuidados e afetos recíprocos.
Ocorre que a experiência clínica vem mostrando uma nova realidade. É que na vida moderna,o individualismo dos hábitos e do possuir, esgarçam o tecido familiar e tornando desconhecidos pais e filhos.
Tomemos como exemplo uma família de classe média formada de quatro membros (pai, mãe, filho adolescente e filha pré-adolescente), com residência em apartamento de três quartos, sala e cozinha. Pais profissionais e filhos estudantes, com atividades extra-curriculares. Horários diversos e redes sociais virtuais. Em cada quarto um computador, uma televisão e um som. Aos domingos programas e interesses particulares. Refeições individuais, tanto pelo horário como por conveniência. Pratos feitos na cozinha e alimentos consumidos no quarto junto ao computador. As trocas vivenciais são, na maioria das vezes, via internet – redes sociais. Dúvidas e aprendizagens deixadas à encargo da escola ou deduzidas pelas traduções distorcidas da mídia.
Necessário ponderar que a sociedade não retroage em seus costumes. Contudo, há de se refletir sobre o valor da modernidade, sem a perda dos laços afetivos presenciais, como meio de fortalecer hábitos saudáveis de convivência na família.
Assim, considerando o ser humano como caminhante, buscante e desejante, questionamos:
Nesse contexto de topografia familiar dita moderna, onde moram os sentimentos de pertencimento, de afetividade, de cuidado e de acompanhamento nas dificuldades e compartilhamento nas alegrias?
Como praticar o pertencimento, a segurança no outro, o conhecer meu pai, minha mãe, filhos e irmãos? Em que leito correm os sentimentos de conjugalidade e parentalidade?
O que fazer com tais realidades? Esta é uma indagação que precisamos responder, respeitadas as nossa diferenças, pois cada família detém o poder ou faculdade de escolhas.
Como reflexão deixo a pergunta: “Desejamos ter um lar, residir numa pensão ou construir um modelo agregativo de cuidados?
Recife, maio de 2011
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